O artigo de Da Silva Ferreira, et al. (2022), apresenta-se como essencial para reflexão e desenvolvimento de práticas profissionais, no caso, especificamente, da prática da terapêutica psicológica clínica antirracista.
Sabe-se que há um consenso significativo na literatura científica de que há uma intersecção, resultante da causalidade histórica, entre racismo e práticas culturais. No contexto do Brasil, essa intersecção exerce influências marcantes nas experiências subjetivas das pessoas, em especial das pessoas negras.
O racismo estrutural atua formulando vias de representação social, onde, por um lado, reproduz a branquitude como símbolo do progresso da humanidade; e por outro, subjuga a população negra à depreciação de si.
Esse processo, aparentemente explícito, ocorre de maneira sutil, e carece de cuidado para detecção, visto que no sentido pragmático, a pessoa negra, de corpo, e muitas das vezes de ideias conscientes, não corresponde aos padrões impostos pelos ambientes mais comuns de convivência, como no caso de trabalho em empresas, e ainda no contexto das universidades.
No que diz respeito a psicoterapia, Da Silva Ferreira, et al, (2022) constatam uma escassez considerável de modelos que possam consubstanciar a terapêutica diante dos sofrimentos acarretados pelo racismo estrutural. Mesmo os modelos das práticas baseadas em evidências (PBE), demonstra-se um cenário crítico de duas vias; por um lado, amostras superficiais, entenda-se, fora do contexto de sofrimento, têm-se evidenciado insuficientes para o atendimento com grupos distintos; soma-se a isso a eminente dificuldade diagnóstica de discutir sobre o lugar contextual do sofrimento.
Outro agravante é que a inaptidão de psicoterapeutas em lidar com a relação entre, processos psicológicos, experiência subjetiva racializada e a própria intervenção clínica, contribui com a dificuldade de estabelecimento do vínculo terapêutico, reduzindo a frequência de relatos envolvendo as questões de raça.
Diante desse cenário, propõe-se princípios fundamentais, que são em verdade processos de aprendizado, para a prática clínica envolta das questões de raça no contexto brasileiro, sendo a (1) formação do psicoterapeuta sobre racismo estrutural; (2) autoconhecimento do psicoterapeuta; (3) prática clínica e (4) psicoeducação clínica voltadas para o setting terapêutico. Esses processos envolvem, em suma, o objetivo de contextualizar as intervenções clínicas às dimensões atuantes do racismo.
Pode-se concluir dessa forma, que há uma necessidade do desenvolvimento de habilidades e aumento de repertório do(a) psicoterapeuta, para lidar com o sofrimento proveniente do racismo no setting terapêutico; bem como uma demanda significativa de elaboração de novos modelos científicos que possam orientar a prática clínica para atuação com populações não hegemônicas dentro de grupos sociais específicos.
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da Silva Ferreira, et al. (2022). Princípios norteadores para uma prática clínica psicoterápica antirracista. Acta Comportamentalia: Revista Latina de Análisis del Comportamiento, 30(4).
Sobre o autor:

Yanderson Marcos da Silva Ramos é cientista social, psicólogo, pós graduando em Terapia Cognitiva Comportamental e Mestrando em Antropologia. Realiza atendimentos psicoterapêuticos para adolescentes e adultos, com base na Terapia Cognitivo Comportamental. Tem interesse específico em atuar com a população negra, a partir de uma clínica antirracista, orientada por uma epistemologia afrocentrada.
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