Inicio esta escrita sem saber muito onde ela vai parar — se para o Instagram, para o blog ou se ficar apenas guardada. Mas, hoje, uma reflexão parte de mim.
Não sei se estou quebrando algum protocolo, mas gosto de praticar a escrita terapêutica e, às vezes, compartilhar minhas inquietações. Acredito que escrevo melhor do que falo (essa é uma das minhas crenças sobre mim) e imagino que muitos possam se refletir nesses sentimentos.
Por mais que estudemos sobre raça, classe e gênero, nada disso nos impede de sermos atravessados por inseguranças e medos. Durante muito tempo, pensamos que “nascemos assim”, até entendermos que muito do que consideramos inato é, na verdade, construção social ou mecanismos de defesa para evitar traumas.
Ser psicóloga me ajuda a elaborar meus dilemas, mas não me impede de senti-los. A terapia ensina a lidar com essas emoções de forma mais saudável, mas, em alguns dias, o que precisamos é apenas nos acolher. Nesta noite em que escrevo, compartilho minhas vulnerabilidades enquanto mulher negra e psicóloga.
Na minha jornada de autoconhecimento, um dos maiores desafios tem sido lidar com a síndrome da impostora. Se não cuidada, ela se transforma em autossabotagem. Amo meu trabalho e as inúmeras possibilidades que ele me dá, especialmente na clínica. Mas, entre tantas oportunidades, também carrego uma grande autocobrança. Tenho dificuldade em considerar meus pontos fortes e, ao mesmo tempo, me cobro por cada erro, por menor que seja.
Ainda que eu não me deixe levar completamente, pensamentos intrusivos aparecem para questionar a qualidade do meu trabalho, meu desenvolvimento e minha contribuição nas relações. Às vezes, hesito diante de boas oportunidades. Como boa terapeuta cognitivo-comportamental, foco no que posso melhorar, mas os sentimentos continuam ali, esperando para serem identificados e ressignificados.
Por sorte, tenho uma rede de apoio que não me coloca em um pedestal, mas também não permite que eu me afunde nesses pensamentos. Sou grata por familiares, amigos e colegas que me lembram da importância de olhar para mim com carinho e consideração que somos, antes de tudo, humanos.
Por vezes, vejo falhas onde outros não veem e super valorizo meus erros. A máxima de que “mulheres negras precisam ser duas vezes melhores” pesa. Conceição Evaristo disse que, no imaginário racista, nós não podemos ser intelectuais. Se não nos cuidamos,caímos nas armadilhas desses pensamentos. A estrutura racista nos atravessa, e nossa saúde mental sofre os impactos.
A clínica social racializada nos ensina que o adoecimento psíquico da população negra não é individual, mas resultado de um sistema que constantemente questiona nossa capacidade. Fortalecer nossa autoestima não é apenas um exercício pessoal, mas um ato político de reafirmação de nossa existência para além da lógica da resistência.
A comparação com outro, é tentadora, mas não define nossa potência. Aprendi que nem tudo será validado pelos outros, e isso não invalida minha produção. O medo de errar paralisa e impede o crescimento. Se eu permitir acreditar que “vão descobrir que não sou tão bom assim”, me escondo na caverna, com medo do que são apenas sombras.
Trabalhar minha autoestima e autoimagem me ajuda a entender que jamais seria unanimidade, e tudo bem. Meus erros não me definem. Além disso, minha consciência racial não me deixa esquecer que, em uma sociedade racista, as estruturas tentam nos manter no lugar da subalternidade.
Resignar-me seria dar uma vitória ao sistema. Mas, sim, sou um ser humano. Acerto, erro, caio, mas me levanto — apesar das dores que, às vezes, me atravessam.
Sobre a autora:

Letícia Rodrigues Alvarenga (CRP 05/53845) é psicóloga clínica com abordagem em Terapia Cognitivo-Comportamental. Atua no atendimento a adultos e adolescentes, com foco em clínica racializada. É coautora das seguintes publicações: “Autoamor: Um caminho para regulação emocional e autoestima feminina” (2019), “A mulher negra e suas transições” (2019), “Nós por Nós” (2021), “Tinha que ser preto” (2021) e “Ressignificar” (2020). Também idealizou e facilitou grupos de acolhimento para mulheres negras e integra o projeto Pra Preto Psi. Possui especialização em TCC pelo Centro Universitário Celso Lisboa e formação complementar em Saúde Mental pela Fiocruz.
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